por deniseviola
No Brasil a “Red de Radios Comunitarias y Software Libre” ainda é pouco conhecida. No resto da América Latina, o lema do grupo pluri-nacional “Libera tu radio!” (ou seja “Libere a sua rádio!) já convenceu muitos coletivos radiofônicos. A mensagem é clara: fazer uma rádio comunitária usando software proprietário a largo prazo não pode ser uma experiência libertadora. Quem ainda usa sistemas operativos como Microsoft ou OS X normalmente se sente bastante desconfortável com este tipo de comentário. Os primeiros reflexos mais comuns são:
“Ah, mas fazer rádio é uma prática social, pouco importa a parte da tecnologia.”
“Software livre é assunto da classe média ou dos jovens universitários. As pessoas comuns não tem como conquistar estas ferramentas com tanta facilidade.”
“O Linux é muuuuito complicado e não funciona bem. Eu aprendi a editar áudio com um programa que nem rola lá. Por que aprender algo de novo que já foi resolvido?”

Para enfrentar estas e outras críticas (que nunca faltam) a Red organiza um encontro anual continental. Este ano o encontro teve lugar em Quito, Equador. Chegaram dezenas de rádios comunitárias e livres desde a Sierra Madre até a Terra do Fogo. “Nos juntamos aqui”, comentou Jorge Cano da Radio Wambra (ECU) “porque fazer rádio é uma busca permanente. Temos que deixar para trás supostos conflitos geracionais. Hoje se fala muito da defesa da soberania, então, as rádios não podem ficar fora desse debate. Devem ser espaços soberanos, onde acontece uma constante liberação de conhecimentos”.
Mas como? Esta é a grande pergunta que marcou também este “II Encontro de Rádios Comunitárias e Software Livre”. Impossível documentar todas as vozes e propostas, mas seguem algumas que se destacaram:
Dafne Moncada, Radio Plazeres (Chile)
A nossa rádio existe há 27 anos. Participam diferentes gerações, e para algumas, a questão digital não é para nada fácil. Além disso, o Chile é muito atrasado com o tema de software livre – quase não se debate no governo ou nas organizações sociais. Para falar a verdade, na rádio usamos vários programas de software livre, mas o sistema operativo ainda é Windows. Queremos avançar nisso em parceria com os participantes da Rádio Pirata, que também transmite em nossa cidade, Valparaiso. Eles contam com militantes de software livre. Sem esse contato, será difícil seguir adiante, porque as capacidades a distância, sozinhas, não são suficientes.
Angelica Cárcamo, Red ARPAS (El Salvador)
Estamos no ar desde os anos 90. Em El Salvador tem uma frequência só para as rádios comunitárias, mas estamos aproveitando bem esse espaço. Achamos que o software livre é uma ótima ferramenta para descolonizar as mentes. Pra nós, é fundamental! E por isso a nossa rede se colocou uma meta concreta: até o ano 2025, todos os associados da nossa rede vão usar só software livre. Como conseguir isso? Pois já estão previstas uma série de oficinas para facilitar a migração e a apropriação de GNU-Linux e outras tecnologias.
Ivan Terceros, Medialab UIO (Ecuador)
Devemos abraçar a criação de espaços livres, onde acontece a apropriação da tecnologia. A gente poderia seguir lamentando a brecha digital – ou repensar as práticas, e simplesmente fazer coisas! Eu vejo a tecnologia como um ato político e cultural. Não existe uma tecnologia só, os universalismos não servem porque qualquer proposta global demais vai fracassar. Ao invés de esperar melhores condições, temos que começar a descolonizar a produção dos códigos. E nisso, temos que exigir também a presença do Estado, porque é o seu dever favorecer o desenvolvimento de uma tecnologia social.
Alex Llumiquinga, ALER (Peru)
A proposta da nossa rede sempre foi comunicar e educar. Ao longo da nossa história, sempre tivemos interesse em desenvolver uma ampla consciência tecnológica, trabalhando com a imprensa escrita, rádio escolas, plataformas satelitais e Internet. Agora acabamos de publicar uma “Carta do Futuro” na qual definimos nossos passos até o ano 2020. Em relação ao software livre, queremos apoiar e colaborar com todos os grupos que trabalham com tecnologia, e pensar em iniciativas comuns. Ideias não faltam: laboratórios populares, um sistema de telefonia intercontinental e grupos de trabalho temáticos. Achamos importante ampliar nossa cooperação porque isto permitirá novas experiências com grupos que compartilham princípios e valores das rádios comunitárias.
Bruna Zanolli, Rádio FMea (Brasil)
Para mim, as rádios livres são espaços de contracultura, onde acontece uma produção diferenciada com software livre, por exemplo, para editar áudio ou fazer um trabalho gráfico. É todo um processo de aprendizagem, mas vale a pena. Muitas vezes precisamos usar mais de uma ferramenta de software livre para fazer o que se faz com uma só no software proprietário. Tem que ter ternura com a sua própria aprendizagem, não se estressar. Acho que uma boa forma para aprender é fazer um manual ou tutorial baseado na sua própria experiência. Desse jeito os conhecimentos são compartilhados.
Inoscencio Flores, Radio Huayacotla (México)
A nossa rádio nasceu como uma escola radiofônica no ano de 2005. Sempre quisemos transmitir por Internet também, mas sozinho não rolou. Achamos um apoio pouco comum: há cinco anos atrás, um jesuíta australiano ofereceu ajuda online. Depois do primeiro contato, ele também nos visitou várias vezes. Hoje trabalhamos só com software livre, mas ainda temos alguns problemas. Trabalhar na linha de comandos não é fácil, e nossa conexão de Internet segue muito lenta…
Jorge Cano, Radio Wambra (ECU)
A liberdade não se deve a uma condição só, senão a articulação conjunta de diferentes dinâmicas: comunicação segura, criação de novas ferramentas, uso de software livre, etc. Precisamos liberar as palavras e as práticas. E quando não se tem o espaço necessário, se constrói. A gente não pode falar somente do conteúdo, temos que articular a soberania da comunicação em todos os âmbitos. No Equador, por exemplo, existe um concurso nacional de frequências, que permite legalizar rádios comunitárias. Mas isso não influi sobre as condições de fazer rádio mesmo. Temos que trabalhar num tecido social onde confluam os diferentes movimentos e lutas, para colocar a nossa agenda e definir as nossas regras.
E agora José? Depois de todos estes testemunhos motivantes, por onde começar? Existem muitos caminhos, e a AMARC Brasil começará, ainda este ano, a organizar oficinas para apoiar os primeiros passos na libertação da sua rádio. E para quem não quer esperar mais, a Red de Radios Comunitárias y Software Libre oferece um tutorial bastante completo para instalar o sistema operativo GNU/EterTICs (Debian) – uma compilação de programas pensado especificamente para as rádios comunitárias e livres:
https://liberaturadio.org/article/instalacion-completa-gnuetertics-videotutoriales/